INTERNATO Estamos em internato. Estamos proibidos de ver o mundo exterior e o que restou para nós foi somente este lugar. Somos cobaias de experimentos militares. Somos reféns da mesma rotina de ontem, de hoje e a de amanhã, talvez isso seja um ciclo repetitivo. Todos os dias são iguais. Nós acordamos cedo e nos preparamos para o café da manhã. Às 06:00 horas da manhã o toque de alvorada é acionado. Ninguém pode continuar dormindo, todos temos que levantar. Vestimos a farda verde oliva guardada em nossos armários. O meu canga era o 610 Da Rosa. Ele era um garoto moreno. Ele era um soldado recruta que alegou ter problemas de coração, mas o Exército Brasileiro ignorou totalmente o seu problema de coração. Ele foi voluntário, esse é o motivo dele estar servindo ao meu lado. Ele era simpático, pelo menos isso. O nosso Treinamento Físico Militar (TFM) estava sendo conduzido pelo terceiro sargento Bergmann. Ele era um alemão de bigode por fazer, mas ele era musculoso e forte. O "Bergamota" sabia correr. Normalmente a corrida matinal são 3 Km, sem intervalos, depois da corrida temos que fazer barras. O meu máximo foram sete barras de braço. Era o meu recorde inquebrável. Quando o TFM acabou, de surpresa, eles deram 3 minutos para que os quarenta e um de nós tomássemos um banho no estilo "Flash" rápido demais. Nem dava tempo de soltar um peido. Eu ficava na retaguarda. A retaguarda era o lugar dos baixinhos. O soldado 611 Daniel e o soldado 614 Teixeira, comigo, fechamos a retaguarda quando estamos em forma. Eu sentia o desejo de ser alto e não fazer parte da retaguarda. Às vezes desejava ser alguns centímetros mais alto, mas desejar não é o mesmo que poder. Essa minha altura é uma maldição. A maldição de não crescer mais. Além de minha angústia por ser baixinho, o fato de ter o Daniel e o Teixeira na retaguarda aliviava em saber que não era o único que não era alto o suficiente para não ser da retaguarda. O que tenho certeza de estar no mesmo barco. A angústia aumentou. - Todos em forma às 11 horas e 30 minutos para avançar para o rancho – disse o sargento Forgerini avisando. Faltavam 30 minutos para 11 horas e 30 minutos. O sargento Forgerini espalhava medo com um simples olhar. Ele era melhor do que o sargento Bergmann, pois ele sabia como ser um instrutor. Ele demonstrava o sentimentalismo humano, diferente do Bergmann. Enquanto esperava a hora do almoço, eu dormia embaixo de uma das camas, a maioria de nós ficava descansando no chão do alojamento, porque o chão era gelado e bom. A maioria de nós descansava nesses milagrosos e puros minutos de pura alegria. Eram bons preciosos minutos. Entre os quarenta e um de nós, um era cabo. O cabo Lopes. Ele era um gordinho moreno que estava aprendendo a ser cabo. Ele estava no mesmo barco. O mesmo barco navegou no meio do Triângulo das Bermudas, onde aviões e embarcações simplesmente desaparecem sem deixar vestígios. Eu não sabia disso, mas acreditava. Acreditava que a qualquer momento eu poderia desaparecer. Um momento estou aqui, e de repente, em um piscar de olhos, não estou mais, desaparecer sem deixar rastros. Durante esse intervalo de tempo, conseguimos respirar, suar, esconder, brincar e cantar. O Daniel gosta de cantar. Ele sabe cantar músicas em inglês. Cantar é um jeito de escapar dessa realidade. A realidade ao nosso redor é pesada. É assustador. O tempo está passando devagar como uma tartaruga caminhando para casa. - Todos lá fora em forma para ir para o rancho – a voz do sargento Forgerini soou no alojamento. Obedecer. Ter disciplina e um bom comportamento, mesmo eu discordando com toda essa merda. Eu estou faminto. Eu estou com raiva e cansado. Talvez eu me fingir de louco e quebrar as regras. Nada aqui é meu, tudo é transitório. Alguma hora ou outra não vou mais estar aqui mesmo. Pensamentos como virar um desertor e fugir nunca passaram pelos meus pensamentos. Eu particularmente gostava desse início do internato. Era um sentimento de nostalgia ou parecia ser. Teve arroz, feijão e carne, e um doce emplastificado que era goiaba como almoço. Alguns de nós pegávamos duas goiabas sem que percebam. Quanto ao último dos últimos, que estava em forma, dava o seu grito de guerra: INFANTARIA!, antes mesmo de avançar para o rancho. O último dos últimos geralmente era o soldado 614 Teixeira. Eu pude ouvir alguns recrutas comentarem e caçoaram da voz do Teixeira. "Ele tem uma voz de gay", é o que diziam quando o Teixeira bradava infantaria. Comentários de moleque malcriado. A maioria deles são uns babacas. *** Pela tarde, teve aqueles tipo de palestra onde ensinam o que é e o que não é errado. E como uma aula em uma escola militar, que dava muito sono, um sono além do normal, aquelas aulas são entediante demais. A regra era clara, quem dormia ou bocejava: tinha que ficar obrigatoriamente de pé, ou pelo contrário, lhe davam uma pontuação negativa que chamavam de FO - (FO negativo). O lado bom disso de ser baixinho é que se eu dormisse, ninguém que estivesse olhando para a plateia perceberia. Mas isso, se estiver sentado na última fileira de cadeiras. As cadeiras eram duras e desconfortáveis. Eram intermináveis horas de ensinamentos de assuntos que anotava em meu caderno, mas nunca revisava. Talvez se eu revisasse teria me saído melhor como um soldado inexperiente e recruta do efetivo variável. A preguiça tomava conta de mim, essas aulas são inúteis, pensava. Era uma instrução militar sobre princípios e valores. Lembro-me da vez que o sargento Bergmann me deu a ordem para ir ao banheiro e fazer a barba em dois minutos, aqueles dois minutos eram pouco tempo. Eu corri em uma velocidade veloz para pegar o barbeador, a espuma de barbear e a gillette no armário, e corri ao banheiro para fazer a barba em frente ao espelho. Eu estava fazendo a barba tão depressa que acabei cortando todo o rosto. Quando entrei em forma, o sargento percebeu e gritou bem alto: "Não! O soldado abriu uma buceta na cara!", parecia engraçado. Eu podia sentir o sangue escorrendo em meu rosto.